segunda-feira, outubro 19, 2009

Minhas camisetas pretas

Aqueles que me conhecem há muito tempo, que costumam me encontrar com freqüência perambulando pela noite de Belo Horizonte e que são suficientemente observadores, de vez em quando, me perguntam a razão de eu sempre usar preto.

É verdade, eu me sinto extremamente incomodado em usar outra cor e, quase invariavelmente, opto pela a ausência de todas as cores.

Fico meio incomodado também, por não ter uma resposta concreta para essa pergunta, então decidi escrever um pouco sobre isso para ver se, enquanto escrevo, chego a um veredicto.

Sou uma pessoa muito ligada à estética, não do ponto de vista narcisístico, mas do ponto em que admiro composições equilibradas e bem feitas, sejam elas simples ou complexas. Pensando desta maneira, posso dizer que uso preto porque, simplesmente, acho que combina com a noite, no entanto, ainda seria um motivo bobo e eu não sou uma pessoa de motivos bobos.

Posso dizer que uso roupas pretas porque sou supersticioso. O preto me passa um sensação de proteção, me faz me sentir menos vulnerável às energias maléficas que circulam nos ambientes noturnos e de bebedeira, onde quase todos os presentes estão, de certa maneira, disputando por alguma coisa mas somente alguns saem vitoriosos. Isso teria sim algum fundo de verdade mas ainda não é verdadeira razão de eu optar por sair descolorido de casa.

Talvez eu tenha adquirido esse comportamento porque é prático e barato. É só ir à loja, comprar algumas camisetas pretas e pronto, estou munido de uniformes noturnos pro ano inteiro...Será? Acho que não. Apesar de detestar sair para comprar roupas, quando saio, compro o que eu gosto, sem elaborar estratégia alguma, sem planejar nada.

Pode até parecer que eu estou brincando, mas não estou! Estou mesmo tentando descobrir os motivos dessa minha prática enquanto escrevo toda essa bobagem, a qual, por alguma razão, decidi tirar dos meus cadernos surrados e compartilhar com qualquer um que se interesse.

Sabem, pensando bem, no fundo, eu uso preto porque vivo em um estado de luto constante. A cada dia que passa, fico mais frustrado com as pessoas e seus comportamentos.

Já houve um tempo em que eu tinha muita fé nas pessoas, gostava da companhia delas, me divertia e compartilhava sua superficialidade, almejando alcançar os mesmos objetivos. Essa época passou.

Hoje, quando saio à noite, vestindo minhas camisetas pretas, é porque me sinto sozinho, velando corpos vivos com mentes mortas.

Todos sabem que o mundo atualmente passa por um momento crítico, no qual todas as decisões tomadas terão um impacto monstruoso, que a curto ou médio prazo, decidirão nada menos do que a sobrevivência do planeta como nós o conhecemos. Mesmo assim, as pessoas insistem em adiar suas decisões, empurrá-las para as gerações futuras, repetindo sem se cansar todos os erros das gerações passadas. Ninguém está disposto a abrir mão de nada, a mudar nada.

Se montarmos um gráfico, relacionando o número de mentes brilhantes que surgiram na história moderna, de forma cronológica, poderemos notar que a medida que o tempo passa, menos pessoas interessadas em explorar o máximo do intelecto em benefício de um bem maior vêm surgindo. Onde estão os grandes gênios do nosso tempo? O que eles estão fazendo? Será que estamos andando contra a evolução natural e emburrecendo? Ou será que o nosso modelo de sociedade, convenientemente, não tem estimulado seus membros a pensar?

O fato é que, assim como nossos pais, se tivermos a oportunidade de chegar à velhice, iremos nos perguntar:
- O que eu fiz de importante em minha vida além de trabalhar igual um escravo, ganhar algum dinheiro, construir algum patrimônio, consumir igual um porco, engordar de forma desordenada, ler dez toneladas de jornais repetitivos, ver milhões de horas de programas de televisão e repetir bilhões de vezes os poucos casos interessantes que aconteceram na juventude?

Infelizmente, se perguntarmos isso aos nosso pais, a grande maioria não terá uma resposta concisa para nos dar.

Pior do que isso é saber que, mesmo que esse erro venha sendo cometido há muitas gerações, os pais ainda criam suas crianças para se encaixar nesse velho modelo, para se tornarem uma extensão deles mesmos, numa tentativa idiota de tentar prolongar suas próprias vidas medíocres por toda a eternidade.

Acho que encontrei então o verdadeiro motivo de usar preto, que é mais triste do que eu pensava.

Uso preto sim, mas não porque me sinto dentro do velório de alguém, como disse antes. Para mim, a cor caiu em desuso. O velório ao qual me referia, não é o dos outros, e sim, o meu próprio.

Todos nós, que pensamos, que lutamos exaustivamente para promover a mudança, estamos condenados à extinção. Estou de luto por mim mesmo.

No final das contas, a cor da camiseta nunca importou...

Que valia tem a cor, quando ninguém pode enxergá-la?

Que valia tem a cor, quando ela própria deixa de existir?

Que valia tem a cor, quando não existe ninguém para compartilhá-la?

E que valor tem um pano sem cor, quando a própria alma já não possui cor alguma?

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