terça-feira, setembro 22, 2009

Clareza e o vazio

Tenho vocação para psicólogo, para ouvinte. Parece que, naturalmente, meus amigos se dirigem a mim sempre que têm algum problema, algum conflito para resolver.

Não sou lá muito qualificado mas se posso ajudar, simplesmente sou sincero e exponho minha opinião. Este é um dos papéis de um amigo, não é verdade?

Há poucos dias atrás, um amigo, que está passando por um fase difícil, cheia de conflitos de objetivos me confessou que entrou para a Igreja Evangélica, buscando soluções para seus dilemas.

Por mais que esse amigo seja uma pessoa culta, que tem um alta capacidade de discernimento, já pude sentir aquele fervor característico em sua fala e olhar.

Sabemos que estas instituições aproveitam de momentos frágeis para executar sua espécie de lavagem ideológica. Já vi isso acontecer muitas vezes, tanto com empregadas domésticas quanto com executivos.

Rapidamente mudei o tom da conversa e fiz um alerta:

- Cuidado!

As pessoas vêm cometendo o mesmo erro há milhares de anos. Você não acha mais lúcido que se busque uma religião, um relacionamento ou qualquer outro tipo de liderança em um momento de extrema clareza, ao invés de buscar em um momento de conflito e dúvida?

Não seria muito mais conciso ao se buscar um Deus, que não O busque para resolver seus conflitos e problemas, mas que O busque em um momento de clareza, não por carência ou desespero, mas por pura determinação, para que Ele possa mostrar-lhe a beleza oculta contida no milagre da vida?

Veja bem, todos nós temos nossas neuroses, conflitos internos e dúvidas. São fatores intrínsecos ao Eu e ninguém pode resolver esses problemas melhor do que nós mesmos.

Não parece muito fácil e, de certa forma ridículo, que se repasse estas questões tão pessoais para outro "resolver"? É fácil, é errado e ineficaz.

Não quero dizer que todo mundo consegue solucionar seus próprios dilemas. Esse é um processo que tem que ser praticado ao longo da vida e exige muito esforço intelectual e psicológico. Para quem não se sente apto, o melhor é procurar um psicólogo. Tenho minhas dúvidas em relação à psicanálise mas sem dúvida alguma, o psicólogo é mais qualificado do que o pastor.

Na maior parte das vezes, nem sequer sabemos quais são nossos conflitos internos, portanto, torna-se impossível resolvê-los. Tudo que sentimos é um tremendo vazio, ao qual buscamos preencher de diversas formas.

Qualquer maneira de tapar esses buracos, que venha de fora para dentro, vai ser eficaz somente por um breve período de tempo.

Muitas vezes, quando se trata de relacionamento, podemos perceber que, na necessidade de preencher essa carência, esse vazio, as pessoas refletem no parceiro tudo que consideram importante, criando uma imagem falsa do outro, quase como se fosse um rito de idolatria.

Considero essa atitude um ato de extremo egoísmo pois o sujeito, ao invés de buscar compartilhar as felicidades, trocar, apresenta uma atitude totalmente unilateral, a qual nem pode ser qualificada como um relacionamento propriamente dito. Isso pode acontecer simultaneamente dos dois lados, ambos focados na satisfação pessoal e no egoísmo.

Isso nada mais é do que solidão acompanhada.

Já pude observar vários casais que estão juntos há bastante tempo e que mal se conhecem. Isso é muito comum e, na minha opinião, é um dos sintomas mais graves dessa sociedade doente.

É mais comum ainda vermos pessoas tentarem preencher esse vácuo interno através do consumismo, diversão e trabalho. Falarei depois sobre o que acontece com essas pessoas a longo prazo.

Um bom começo é perceber que existe esse vazio, assumir que ele está relacionado a fatores internos, do Eu, e tentar de forma inteligente e racional entendê-los e, quem sabe, resolvê-los.

Não estou dizendo que a vida fica mais fácil depois que se propõe entendê-la, pode ser que fique até mais difícil, mas sem dúvida é muito melhor enxergar a vida do jeito que ela é, de forma real, com objetivos reais, do que viver em um mundo falso, torto e repleto de fantasias inatingíveis ou pior, fantasias e sonhos impostos por outros.


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Um comentário:

  1. Eu fazia isso com relacionamentos, mas parei tem um tempo. Ainda tenho uma facilidade extrema de me “apaixonar”. A vida não ficou mais fácil nem mais difícil ta a mesma coisa. Sim, eu tenho um grande vazio mesmo no meu eu.
    Acho q tenho mais vazio do que o próprio eu.

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